segunda-feira, 4 de junho de 2012

Corrida


     Ver Hana chorando me fez pensar no motivo da minha frieza. Desde a infância sempre foi assim, nos momentos de maior pânico e tensão eu fico alienado, distante e frio. Talvez seja um mecanismo de defesa natural ou talvez eu tenha algum problema mental, isso na verdade não importa, pois nesse momento eu fiquei muito grato por ter esse lado.
    Puxei Hana pelo braço, ela ainda soluçava, e levei-a para a cozinha, dei água com açúcar para acalmá-la, mas nada funcionava. Se ficássemos muito tempo ali morreríamos, já que a melhor arma que eu tinha era um cabo de vassoura e ele não serve pra quebrar a cabeça de ninguém.
    Tentei convencê-la de que daria tudo certo, de que precisávamos ir, de que morreríamos se ficássemos, mas ela não queria sair da “segurança” do escritório. Eu me pergunto o que você faria no meu lugar: morreria como um cavalheiro ao lado da dama indefesa? Houve um tempo em que eu teria feito isso, quando acreditava na bondade e no romance, mas esse tempo passou e eu a deixei lá, na cozinha, com minha promessa de retorno.
    Sei que deve ter pensado que minha atitude foi egoísta, mas porque eu deveria morrer por alguém que não tenta sobreviver? Como eu ajudaria alguém que não quer ser ajudada? Sai rápido pelos fundos, escalei o muro, me equilibrei no telhado e atravessei a casa.
    Lá de cima tive um vislumbre do que iria enfrentar centenas de zumbis nas ruas, caminhando de um lado pra outro e se guiando principalmente pelo som. Eis um ponto positivo em observar a situação antes de agir, você comete menos erros tolos e sabemos que um erro tolo me custaria tudo.
   Olhei ao redor e vi, a duas quadras, a loja esportiva. Como conseguiria chegar lá? Poderia tentar ir pelo telhado, mas assim que chegasse à esquina teria que ir pela rua. Como passaria pelos zumbis indo pela rua? Senti os batimentos mais acelerados, eu estava entrando em pânico e isso não seria bom. Ficar nervoso numa situação dessas é normal, mas fatal.
    Repirei por alguns minutos e pensei na respiração, concentrei todos os meus sentidos em não fazer nada, li isso tudo em algum livro durante meu colegial, o exercício de meditação ajuda a manter a calma e focar os sentidos... Mas não estava funcionando.
   A adrenalina estava alcançando seu objetivo, meus sentidos estavam dispertos para o ambiente e por isso estava tão difícil de meditar. Então resolvi aproveitar as vantagens da adrenalina. Ir até a esquina não foi fácil, não como teria sido há uns 5 anos antes, quando ainda tinha uma vida atlética ativa, mas depois que comprei o carro e aposentei a bike meu corpo ficou bem mais pesado.
   Cheguei à esquina, mas e agora? Precisava de uma distração pra poder correr os 100 metros que me separava do meu objetivo, não só isso precisava também saber como entrar na loja quando chegasse lá, pois nada adiantaria correr e depois não ter onde me proteger.
   Olhei ao redor, carros nas ruas, zumbis, árvores, postes, nada que me ajudasse muito. Aproveitei que estava no telhado e joguei uma telha no carro mais distante, assim o alarme do carro disparou e os zumbis começaram a se dirigir até o carro, minha distração fora executada com sucesso. Desci do muro pelo outro canto da casa e corri.
    Cheguei de frente a loja e meus temores foram concretizados, ela estava fechada, mas a do lado estava aberta. Roupas era tudo que eu precisava naquele momento, um visual novo. De qualquer forma eu entrei e fui pros fundos da loja, lá encontrei a chave no chão e com ela abri a porta que dava pro corredor do lixo.
   Tinha saido do escritório e abandonado outro ser humano a uma morte certa e isso tudo pra que? Pra me esconder no lixo... Realmente essa era uma segunda-feira típica onde tudo que você planeja fazer dá errado.
    Já tinha me conformado em morrer ali quando vi que podia tentar subir pelo telhado de uma loja e pular no da outra. Subi com grande dificuldade e tomei distância para saltar, alcançei o telhado da loja de esportes e cai sobre as telhas, esbarrei na laje com dor na coxa direita e no braço esquerdo, faltava ar e escorria sangue dos inúmeros cortes que eu havia conquistado na minha chegada a loja, mas eu havia me esquecido da laje. Dolorido e cansado, com a adrenalina baixando,  fechei os olhos e dormi desejando acordar na minha cama, perdendo hora pra mais um dia normal de trabalho, de preferência numa terça-feira.

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