sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Loja


    Acordei com a luz do sol no rosto, o calor estava intenso e insuportável! Tentei me mexer, mas senti a dor aguda no braço esquerdo, aparentemente ele estava quebrado, mas não era fratura exposta.
    Tentei levantar apoiando o peso no braço direito e aí veio a dor na perna direita. Onde eu estava com a cabeça quando achei que conseguiria pular pelos telhados? E agora? Como eu descerei desse telhado sem poder usar um braço e uma perna?
    Lamentar não ia ajudar em nada, olhei em volta, procurei algo e achei os pedaços de ripa que eu quebrei na queda. Rasguei a camisa e amarrei a madeira como talas na perna e no braço. Precisava agora lavar os ferimentos, mas pra isso teria que estar dentro da loja.
    Com a perna imobilizada consegui, com muito esforço, subir no telhado e olhar o fundo da loja, onde pude ver uma área com um pequeno jardim. Poderia me jogar lá de cima, mas com certeza acabaria piorando meus ferimentos...
    Rolei o corpo e me segurei na calha, torcendo pra qualidade dela ser ruim, pois se ela fosse fraca entortaria e romperia, fazendo da queda de dois metros algo próximo a meio metro, mas a calha era de ótima qualidade e não se rompeu com meu peso, mas estava machucando minha mão direita. Ótimo não? Além de um braço quebrado eu teria uma mão inutilizada, seria mais fácil me jogar na rua e me tornar um deles.
   Soltei a mão, enquanto ainda a tinha, e cai encima da perna boa e bati o calcanhar com força no chão. Eu sinceramente achava que não podia doer mais, mas doeu.
   Sentei no chão e vi uma janela com grade, lógico, o que mais eu esperava? Uma recepção calorosa? Um lanchinho? Uma porta aberta com uma garota bonita que viria cuidar dos meus ferimentos? Fazia todo sentido o dono deixar a loja aberta pros ladrões entrarem.
    Olhei a porta, ela estava presa a parede com uma corrente e nela tinha um cadeado, vi ali uma oportunidade, revirei a mochila do note que eu havia pegado no escritório, tinha que ter pelo menos um... Foram os dois minutos mais ansiosos do meu dia e pela primeira vez algo dava certo! Achei um clipe de papel!
    Quebrei o clipe em dois e forcei a memória pra lembrar o que eu tinha lido sobre arrombamento, era colocar um dos ferrinhos dando um torque enquanto o outro, com um pequeno ganchinho na ponta, passava pela parte mais externa da fechadura.
    Tentei por quase uma hora. As dores na mão direita e no braço esquerdo não ajudaram e eu estava quase desistindo quando vi uma pedra, peguei-a e coloquei toda minha frustração na pancada, mas aparentemente eu não tinha frustração suficiente. Atirei a pedra longe com meu mau-humor no ápice.
    Respirei fundo, me acalmei, olhei pros pedaços de clipe e resolvi tentar outra vez, mas com calma. Concentrei-me na tarefa e fiz tudo devagar, ignorando ao máximo minhas dores, e dessa vez o cadeado se abriu. Uma felicidade enorme me atingiu como um raio e não pude conter meu grito de vitória! Entrei pela porta e dei de cara um uma cozinha, pequena, mas pra mim era um palácio!
    Fervi água, peguei o sabão e lavei meus ferimentos, comi um pedaço de pão dormido e que refeição foi aquela! No entanto, antes de ir explorar o novo forte eu tinha que fechar a porta... Mas e agora? Fecharia o cadeado ou não? Procurei por toda cozinha até que encontrei as chaves do cadeado! Tranquei a porta, porém veio uma preocupação, tudo estava dando certo demais e isso me deixava apreensivo. O que mais poderia dar errado? Abri a porta da loja e dei dois passos, senti uma dor na cabeça e o mundo escureceu.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Corrida


     Ver Hana chorando me fez pensar no motivo da minha frieza. Desde a infância sempre foi assim, nos momentos de maior pânico e tensão eu fico alienado, distante e frio. Talvez seja um mecanismo de defesa natural ou talvez eu tenha algum problema mental, isso na verdade não importa, pois nesse momento eu fiquei muito grato por ter esse lado.
    Puxei Hana pelo braço, ela ainda soluçava, e levei-a para a cozinha, dei água com açúcar para acalmá-la, mas nada funcionava. Se ficássemos muito tempo ali morreríamos, já que a melhor arma que eu tinha era um cabo de vassoura e ele não serve pra quebrar a cabeça de ninguém.
    Tentei convencê-la de que daria tudo certo, de que precisávamos ir, de que morreríamos se ficássemos, mas ela não queria sair da “segurança” do escritório. Eu me pergunto o que você faria no meu lugar: morreria como um cavalheiro ao lado da dama indefesa? Houve um tempo em que eu teria feito isso, quando acreditava na bondade e no romance, mas esse tempo passou e eu a deixei lá, na cozinha, com minha promessa de retorno.
    Sei que deve ter pensado que minha atitude foi egoísta, mas porque eu deveria morrer por alguém que não tenta sobreviver? Como eu ajudaria alguém que não quer ser ajudada? Sai rápido pelos fundos, escalei o muro, me equilibrei no telhado e atravessei a casa.
    Lá de cima tive um vislumbre do que iria enfrentar centenas de zumbis nas ruas, caminhando de um lado pra outro e se guiando principalmente pelo som. Eis um ponto positivo em observar a situação antes de agir, você comete menos erros tolos e sabemos que um erro tolo me custaria tudo.
   Olhei ao redor e vi, a duas quadras, a loja esportiva. Como conseguiria chegar lá? Poderia tentar ir pelo telhado, mas assim que chegasse à esquina teria que ir pela rua. Como passaria pelos zumbis indo pela rua? Senti os batimentos mais acelerados, eu estava entrando em pânico e isso não seria bom. Ficar nervoso numa situação dessas é normal, mas fatal.
    Repirei por alguns minutos e pensei na respiração, concentrei todos os meus sentidos em não fazer nada, li isso tudo em algum livro durante meu colegial, o exercício de meditação ajuda a manter a calma e focar os sentidos... Mas não estava funcionando.
   A adrenalina estava alcançando seu objetivo, meus sentidos estavam dispertos para o ambiente e por isso estava tão difícil de meditar. Então resolvi aproveitar as vantagens da adrenalina. Ir até a esquina não foi fácil, não como teria sido há uns 5 anos antes, quando ainda tinha uma vida atlética ativa, mas depois que comprei o carro e aposentei a bike meu corpo ficou bem mais pesado.
   Cheguei à esquina, mas e agora? Precisava de uma distração pra poder correr os 100 metros que me separava do meu objetivo, não só isso precisava também saber como entrar na loja quando chegasse lá, pois nada adiantaria correr e depois não ter onde me proteger.
   Olhei ao redor, carros nas ruas, zumbis, árvores, postes, nada que me ajudasse muito. Aproveitei que estava no telhado e joguei uma telha no carro mais distante, assim o alarme do carro disparou e os zumbis começaram a se dirigir até o carro, minha distração fora executada com sucesso. Desci do muro pelo outro canto da casa e corri.
    Cheguei de frente a loja e meus temores foram concretizados, ela estava fechada, mas a do lado estava aberta. Roupas era tudo que eu precisava naquele momento, um visual novo. De qualquer forma eu entrei e fui pros fundos da loja, lá encontrei a chave no chão e com ela abri a porta que dava pro corredor do lixo.
   Tinha saido do escritório e abandonado outro ser humano a uma morte certa e isso tudo pra que? Pra me esconder no lixo... Realmente essa era uma segunda-feira típica onde tudo que você planeja fazer dá errado.
    Já tinha me conformado em morrer ali quando vi que podia tentar subir pelo telhado de uma loja e pular no da outra. Subi com grande dificuldade e tomei distância para saltar, alcançei o telhado da loja de esportes e cai sobre as telhas, esbarrei na laje com dor na coxa direita e no braço esquerdo, faltava ar e escorria sangue dos inúmeros cortes que eu havia conquistado na minha chegada a loja, mas eu havia me esquecido da laje. Dolorido e cansado, com a adrenalina baixando,  fechei os olhos e dormi desejando acordar na minha cama, perdendo hora pra mais um dia normal de trabalho, de preferência numa terça-feira.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Segunda - feira

Começou como uma segunda-feira típica - pensando bem tinha que começar numa segunda -, era inverno e estava a habitual neblina nas ruas. 
Acordei cedo, o que foi estranho já que costumo me atrasar nas segundas. Liguei o rádio pra ouvir as notícias enquanto tomava banho. O de sempre: mortes, assaltos, roubos. Nada que realmente chamasse a atenção. Troquei-me e tomei um café rápido, pois queria aproveitar a falta de trânsito matutino. Liguei o carro e sai.
As ruas vazias e o céu nublado me fizeram pensar: ”Porque não fiquei em casa debaixo das cobertas?”, mas como em toda segunda-feira eu tinha coisas realmente importantes pra resolver.
Ao chegar no escritório encontrei apenas a secretária. Liguei o computador e fui matar o tempo até o compromisso chegar e foi nesse momento que percebi.
Não sei bem como nem quando tinha começado, mas o pânico estava geral, ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo e como agir, com exceção de alguns nerds e gamers, pessoas dizendo que era uma epidemia, outros que era uma nova droga, contudo a maioria acreditava no apocalipse.
Calmamente eu desliguei o computador, peguei o notebook do chefe, enchi a garrafa de água, disquei o ramal da secretária e perguntei se mais alguém tinha chegado. A resposta foi o óbvio não! Desci as escadas, expliquei pra Hana o que acontecia e ela, é claro, não acreditou.
Antes de sair do escritório eu precisava de uma arma. Procurei na cozinha: vassouras, rodinhos, facas de sobremesa, panelas, mas nada disso serviria pra minha defesa. E agora? O local mais próximo com alguma possibilidade de ter arma seria a loja de esportes que ficava 2 quadras do escritório. Mas como chegar lá? Cheguei a conclusão de que o quanto antes eu saísse maiores as chances de sucesso.
Foi quando ouvi o grito, Hana tinha descoberto a verdade da pior forma! Fui correndo até a portaria e encontrei a secretária chorando no chão, abraçando as pernas. Quando olhei pelo vidro vi cerca de 12 pessoas coberta de feridas, pele branca e olhos vítreos, com dentes amarelados e resmungando. A sorte dela foi que, por medo de assaltos, tinha um vidro de segurança.
Quando me ouviu ela virou os olhos pra mim com uma única frase silenciosa: Socorro! Uma súplica que eu compreendia muito bem e por isso só disse:
            “Me siga, seja rápida e silenciosa, se não fizer nada estúpido sairemos dessa vivos.”
E esse foi o começo de mais uma segunda-feira, mas que outro dia seria melhor para começar o apocalipse zumbi do que uma segunda-feira?